Introdução
Os planos de saúde desempenham um papel essencial no acesso à assistência médica no Brasil, mas a negativa de cobertura é fonte recorrente de litígios. Dentre as alegações mais comuns estão o uso de cláusulas contratuais para negar tratamentos ou procedimentos fora do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A jurisprudência e a regulamentação têm enfrentado desafios ao equilibrar a proteção do consumidor e a sustentabilidade financeira das operadoras.
Neste artigo, exploramos não apenas os aspectos legais e as decisões jurisprudenciais sobre o tema, mas também questões mais amplas, como a vedação da teoria da seletividade e a chamada teoria do dano calculado, que revelam estratégias de mercado e interpretações judiciais relevantes.
Regulamentação da ANS e a Proteção ao Consumidor
A ANS é responsável por estabelecer o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que define os tratamentos e exames obrigatórios para cobertura. Contudo, a jurisprudência consolidada pelo STJ reconhece que o rol possui caráter exemplificativo, garantindo que procedimentos não previstos possam ser exigidos judicialmente, desde que essenciais à saúde do paciente.
Por exemplo, o STJ decidiu que a negativa de cobertura de um tratamento essencial para doenças já cobertas pelo contrato configura prática abusiva. Em decisões como o REsp 1.733.013/SP, o tribunal reforçou que a operadora de saúde não pode restringir o tipo de tratamento com base em questões meramente econômicas, desconsiderando a necessidade médica.
Além disso, a Súmula 609 do STJ é um marco na proteção contra negativas relacionadas a doenças preexistentes. Essa súmula estabelece que é ilícita a recusa de cobertura quando não houve exames médicos prévios ou comprovação de má-fé do contratante.
Vedação à Teoria da Seleção de Risco
A chamada teoria da seletividade é a prática de operadoras de planos de saúde de segmentar seus clientes com base em critérios que favorecem economicamente a empresa, excluindo ou dificultando o acesso de pessoas com alto risco de doenças. Embora possa não ser explicitamente adotada como política, seus efeitos são percebidos em situações como:
- Cláusulas restritivas no contrato;
- Exigência excessiva de carências ou exclusões específicas;
- Negativa de tratamentos experimentais ou mais caros. (Decisão recente estabelece que a judicialização para acesso a procedimentos e remédios Off-Label, devem prescindir de fundamentação científica para comprovar sua aplicabilidade e eficiência, não sendo as operadoras obrigadas a cobrir procedimentos ou medicamentos que não possuam a devida comprovação científica).
Essa prática é incompatível com os princípios do Código de Defesa do Consumidor, que visa assegurar equilíbrio e boa-fé nas relações contratuais. A Constituição Federal também reforça a necessidade de universalidade no acesso à saúde, impedindo discriminação econômica. Em diversas decisões, o STJ e os tribunais estaduais, condenaram ações de seletividade disfarçada, classificando-as como abusivas.
A Seleção de Risco é comumente aplicada nas rescisões unilaterais de contratos de Planos de Saúde, a qual é legalmente vedada pelo Art. 14, da Lei 9.656/98, pelo Art. 13, Parágrafo Único, Inciso II e III da Lei 9.656/98, bem como pelo Tema 1082 do STJ e pela Súmula 27 da ANS, onde se lê: “é VEDADA a prática de SELEÇÃO DE RISCOS pelas operadoras de plano de saúde na contratação de qualquer modalidade de Plano Privado de Assistência à Saúde. Nas contratações de Planos Coletivos Empresariais ou Coletivos por Adesão, a VEDAÇÃO se aplica tanto à totalidade do grupo quanto a um ou alguns de seus membros”.
A Teoria do Dano Calculado
A teoria do dano calculado é um fenômeno controverso, onde empresas calculam a probabilidade de os consumidores acionarem judicialmente as negativas de cobertura antes de adotar certas práticas abusivas. Na prática, isso significa que as operadoras podem prever um impacto financeiro menor ao recusar atendimentos do que ao adotar políticas que atendam plenamente as demandas de seus clientes.
Estudos mostram que grande parte dos consumidores, desinformados ou sem acesso jurídico adequado, aceita a negativa inicial. Consequentemente, o número de ações judiciais é menor do que seria esperado, tornando essa estratégia “vantajosa” para algumas operadoras.
Porém, essa prática vai contra os princípios básicos do direito contratual e da proteção ao consumidor. A jurisprudência brasileira tem punido severamente operadoras que demonstram negligência deliberada, incluindo reparações por danos morais devido à angústia causada pela recusa injustificada, conforme consolidado no AgRg no AREsp 718.634 pelo STJ.
Reparação por Danos Morais e Cláusulas Abusivas
Como visto, o dano moral em casos de negativas indevidas é presumido, configurando o chamado dano in re ipsa. Isso significa que, ao comprovar a recusa injustificada de cobertura, o consumidor já tem direito à reparação, pois a angústia gerada é inerente à violação contratual.
Além disso, cláusulas que limitam a cobertura de forma genérica, como as que excluem “tratamentos experimentais”, têm sido interpretadas de forma restritiva pelo judiciário. Em muitos casos, tratamentos considerados “experimentais” em um contexto são essenciais e comprovados em outros, levando o STJ a determinar sua cobertura sob pena de abusividade.
Limites e Autonomia das Operadoras
Embora as decisões judiciais frequentemente favoreçam o consumidor, também há reconhecimento dos limites impostos às operadoras. A sustentabilidade financeira do sistema de saúde suplementar é uma preocupação legítima, especialmente considerando os custos crescentes de novos tratamentos.
Contudo, esse equilíbrio não pode ser alcançado à custa de interpretações restritivas e abusivas. O STJ já destacou que o equilíbrio contratual deve ser buscado sem comprometer a dignidade do consumidor, baseando-se no CDC e nos princípios constitucionais de proteção à saúde.
Conclusão
A negativa de cobertura por planos de saúde é um tema complexo, que exige análise cuidadosa das regulamentações, jurisprudência e práticas empresariais. A vedação à teoria da seletividade e a responsabilização pela teoria do dano calculado destacam como as operadoras devem ser responsabilizadas por condutas abusivas.
Tribunais Estaduais bem como o STJ têm desempenhado um papel essencial na proteção ao consumidor, garantindo acesso a tratamentos e reparações por violações. À medida que a saúde suplementar evolui, é crucial que as decisões judiciais continuem equilibrando a proteção dos direitos individuais com a viabilidade econômica do sistema, sempre respeitando o direito à saúde como um princípio fundamental.
Referências
- Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – Regras sobre cobertura obrigatória.
- Súmula 609 do STJ – Proteção contra negativas por doenças preexistentes.

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